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INDÚSTRIA AUTOMOTIVA NO MÉDIO PARAÍBA FLUMINENSE: LIMITES E DESAFIOS

Vitor Boa Nova

Doutorando e Mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ, especialista em Política e Planejamento Urbano pelo IPPUR/UFRJ, graduado em Arquitetura e Urbanismo pela FERP/UGB. Desenvolve pesquisa de tese de doutorado dentro do tema geral da Planificação do Desenvolvimento Urbano-Regional, com ênfase no caso particular chinês. Possui estudos e publicações sobre o Estado do Rio de Janeiro, como o caso da Indústria Automotiva no Sul Fluminense, a estrutura econômica e mercado de trabalho da Região Metropolitana e Interior, assim como participação em pesquisa referente à situação fiscal do município de Maricá vista em relação ao recebimento dos royalties do petróleo.


Na região historicamente vinculada à indústria siderúrgica – principalmente por conta da CSN em Volta Redonda – a chegada das empresas automotivas representou uma importante alteração no que se refere à estrutura produtiva do Médio Paraíba Fluminense. Embora ambos os setores possam ser considerados como parte do complexo metal-mecânico, a indústria automotiva trouxe consigo lógicas e características bastante particulares, distintas da siderurgia, principalmente no que se refere à intensidade tecnológica, às relações interempresariais, aos circuitos e sistemas de produção, ao perfil da mão de obra e à própria relação das empresas com as administrações e instituições públicas.

A esse respeito, dois acontecimentos parecem ter se destacado no sentido de representar um período de inflexão: de um lado a privatização da CSN em 1993, desencadeando uma crise econômica e simbólica na cidade de Volta Redonda; de outro, a chegada da Volkswagen ao município de Resende, em 1995, que viria a ser acompanhada pela francesa PSA Peugeot-Citroën (atual Stellantis), instalada no município vizinho, Porto Real.

No caso de Resende e Porto Real – acompanhados pelo município Itatiaia, onde recentemente se instalou a empresa anglo-indiana Jaguar Land Rover – a chegada das empresas automotivas teve reflexos na geração de valor e na arrecadação desses municípios, além de favorecer no desenvolvimento de infraestruturas que colaboraram para atrair outras atividades industriais, conformando um processo de reestruturação econômica na região do Médio Paraíba.

Os municípios nos quais foram instaladas as plantas automotivas assumiram participação mais destacada e compartilharam dinâmicas semelhantes quanto às implicações da presença dessas empresas em seus territórios, manifestando uma acentuação do processo de segmentação territorial do Médio Paraíba.

Além de tratar-se de uma indústria de montagem, inserida em circuitos de produção altamente internacionalizados e de forte presença de relações interempresariais entre as empresas matrizes e fornecedoras, as empresas automotivas parecem atuar também na constituição de coalizões com o poder estatal, em seus diferentes níveis, mas principalmente com o governo do estado do Rio de Janeiro, no sentido de assegurar condições necessárias para viabilizar seus investimentos, conformando uma espécie de regime de crescimento num território bem definido, nesse caso a Sub-região das Agulhas Negras.

A posição de domínio exercida pelas empresas automotivas no regime, decorrente, principalmente, de sua condição de agente determinante para a promoção do processo de acumulação do capital, à alça, a partir da própria lógica de competição intercapitalista internacionalizada, a uma tendência de aglomeração empresarial pautada na proximidade geográfica ou, sendo mais específico, no compartilhamento da escala urbano-regional como território de realização do processo de produção.

Foi nesse contexto que as empresas automotivas da Sub-região das Agulhas Negras, com suporte direto da Firjan, caminharam no sentido de institucionalizar essa parceria interempresarial que culminou na criação do Cluster Automotivo Sul Fluminense (CASF) no ano de 2013, consequentemente conferindo-lhes maior poder político e de influência dentro do regime e em relação aos agentes estatais.

Essa condição de subordinação dos agentes estatais locais, representados pelas prefeituras, junto de uma lacuna do poder estatal na divisão político-administrativa do Brasil numa escala urbano-regional, parece acentuar um processo de privatização da agenda urbano-regional, ao passo que, ao que parece, as discussões voltadas ao desenvolvimento econômico desse território têm sido gestadas, principalmente, no âmbito do próprio CASF e da Firjan.

Parecem ficar evidentes as limitações dos municípios na tarefa de promover o desenvolvimento econômico e social, ainda mais quando pautado na atração de investimentos industriais. Ao mesmo tempo, o governo do estado, que eventualmente poderia trabalhar no sentido de criar instâncias urbano-regionais e regionais de planejamento e de fomento à elaboração de um projeto de desenvolvimento a partir de uma agenda pública, por exemplo, de organização da produção industrial no território do Médio Paraíba, e no estado como um todo, parece esbarrar: (1) na falta de interesse dos últimos governos – visto que as empresas automotivas, agentes protagonistas do regime de crescimento, atuam de forma bastante estreita com representantes do governo estadual; (2) nas limitações impostas pelo fato de que o controle do processo de acumulação do capital é de domínio privado e transnacional; e (3) na ausência de um projeto nacional de desenvolvimento econômico – quanto mais de um comprometido com as verdadeiras demandas públicas – com o qual as atividades produtivas fluminenses e do Médio Paraíba poderiam eventualmente estar articuladas.

Sendo assim, a municipalização das políticas de desenvolvimento, de certa forma, poderia favorecer as empresas ao estimularem a competitividade intermunicipal – ironicamente, em meio a um contexto de fortalecimento da cooperação interempresarial através do cluster. Para as empresas, basta que suas principais demandas de manutenção e promoção da competitividade urbano-regional dentro de sua lógica capitalista sejam atendidas e que o regime de crescimento seja mantido. E, para isso, um poder público fragilizado e subserviente não é de todo mal, afinal, como dito por um dos secretários numa entrevista, contrariando o que vimos até aqui: “o privado por si só se desenvolve”. A questão que fica é: desenvolve o quê, e para quem?



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